A propósito deste post no Estado Sentido, e não colocando em causa o seu mérito profissional e humano, tenho a dizer que não aprecio no Dr. Fernando Nobre a sua tendência para fazer fretes políticos.
Passo a explicar: sempre que há uma crise humanitária, lá aparece a criticar os EUA e os seus aliados (Austrália em Timor, Israel) com juízos de valor, análises geopolíticas (com as limitações inerentes) e críticas injustas sobre a assistência humanitária dada por militares em situações de insegurança.
Quando as milícias indonésias andavam a destruir Timor e a população fugiu para as montanhas, os aviões da Força Aérea Australiana começaram a lançar rações de emergência. Retive a imagem captada no porão de um C-130 de paletes com milhares de rações, constituídas sobretudo por biscoitos altamente calóricos (fornecidos pela Cruz Vermelha australiana), a serem lançadas, umas atrás das outras. Comentário de Fernando Nobre? Os biscoitos eram nocivos para os estômagos dos famintos timorenses, justamente por serem altamente calóricos. Não me constou que tivesse alguma vez provado algum, mas das suas palavras era suposto presumir-se que a Cruz Vermelha australiana era incompetente apesar de se dar ao trabalho de fazer alimentos específicos para estas situações. Não consta que algum timorense se tenha queixado.
Anos depois, aquando da invasão do Iraque, criticou os militares americanos por vedarem o acesso das agências humanitárias às populações na frente de combate (!!!) e de serem eles a prestarem auxílio aos refugiados. Ou seja, o que incomodava o Dr. Fernando Nobre era estar a ser dada assistência aos necessitados por parte dos militares, de serem eles a fazerem-no... em plena guerra. Na mesma altura, quando um cargueiro da Marinha Britânica, com capacidade para transportar 6000 toneladas, desembarcou suprimentos para a população iraquiana no porto de Bassorá, o jornalista (da SIC, se não me engano) enganou-se nos zeros e disse 60 toneladas. Logo aproveitou o Dr. Fernando Nobre dizendo que isso não era nada, que era insignificante, sem dar o benefício da dúvida à credibilidade da notícia.
Depois foi a Guerra do Líbano (2006), entre Israel e o Hezbollah, e mais recentemente a guerra na faixa de Gaza, entre Israel o Hamas, com o Dr. Fernando Nobre comentando sempre em tom crítico com Israel, acusando de usar armas "proibidas" que o Direito Internacional não proíbe, não fazendo o mesmo com as Nações Unidas que consentiam no uso das suas instalações e veículos para fins militares por parte dos movimentos chiíta-libanês e palestiniano. O facto de tanto o Hezbollah e o Hamas atacarem alvos civis de forma indiscriminada, e de crianças como bombistas suicidas em atentados nas cidades israelitas, isso já não mereceu críticas por parte do Dr. Fernando Nobre.
Agora, no Haiti, mais uma vez a AMI se queixa dos militares americanos por, nos primeiros dias após o terramoto, não terem deixado partir os socorristas para as zonas onde reinava a anarquia ou a violência dos senhores da guerra locais.
É quase uma inevitabilidade que em situações de catástrofe haja que se aproveite para fins políticos. Por exemplo, custa-me a crer na veracidade deste último salvamento de um jovem haitiano nos escombros de um hotel, por parte de socorristas franceses: quem regressa à vida depois de duas semanas quase soterrado de certeza teria muito menos à-vontade e descontracção que o que o jovem demonstrou, nas imagens que foram emitidas (curiosamente estava lá uma câmara da TV francesa, no melhor ângulo de filmagem e no exacto momento em que o jovem saíu do buraco). E as imagens dos soldados americanos (e outros) com bebés ao colo e a descarregarem caixas de suprimentos de braço em braço, correspondem a velhos hábitos de marketing político.
E já que falamos de técnicas de marketing político, que dizer de Sean Penn, na melhor tradição dos políticos americanos, sem olhar para a câmara mas de olhos no horizonte, apontado o braço em jeito de comandante das operações (uma célebre pose para a câmara do general MacArthur, na Segunda Guerra Mundial).
Mete nojo, eu sei. Mas coisas destas acontecem sempre.
Voltando à piolheira, faz-me pena ver uma pessoa com mérito e obra reconhecida como o Dr. Fernando Nobre fazer incursões na política, ainda por cima em afirmações e atitudes pouco sensatas e justas. E já não falo de ele, alegadamente monárquico, ter feito campanha pelo Bloco de Esquerda em eleições recentes, usando a sua visibilidade pública para a apoiar um movimento que até à pouco tempo não escondia a sua simpatia por aqueles que lutavam pela libertação de Euskadi. E depois venha criticar os militares americanos, australianos e israelitas...
6 comentários:
É muito exacto tudo aquilo que diz, João. Mas o que estava em causa é o aproveitamento do BE e aquela mania - velhíssima - de "superioridade moral" sobre tudo e todos. A AMI parece ser séria e estimável e outro tanto não se poderá dizer de dúzias de ONG. O Haiti tornou-se numa peça de tv equiparável à "pandemia" da gripe A. Com uma diferença de peso: é que o terramoto existiu mesmo e não foram os americanos a provocá-lo. O Chávez anda a ler demasiados livros do Tintim . Lembrei-me logo daquela aventura na Bordúria e da máquina de ultra-sons do marechal Plekzy-Gladz.
Mas o que quer? Tenho um fraquinho por chatear o Berloque de Esterco... Quanto a isso, ao dedo é fraco e não resisto.
«A AMI parece ser séria e estimável e outro tanto não se poderá dizer de dúzias de ONG.»
O governo haitiano veio precisamente denunciar isso na semana passada: os humanitários profissionais que se passeavam de jipe pelo país e gastavam num jantar o equivalente a vários salários médios locais.
Tenho, a propósito, uma pergunta. É uma dúvida verdadeira e não pretendo provocar ninguém, mas alguém sabe porque não temos os Médecins sans Frontières em Portugal, e porque saiu Fernando Nobre dessa organização para criar a AMI?
Gi: os MSF (conhecidos por les médecins français) são, para todos os efeitos, o braço humanitário de França, tal como a AMI o é para Portugal. Todos os países que querem contar na cena internacional têm "ONGs" assim. Por isso o Dr. Fernando Nobre devia abter-se de opiniões políticas, sobretudo quando criticam países aliados. E, escusado será de dizer, de fazer campanhas pela extrema-esquerda.
Tendo a experiência e a formação dos MSF, Fernando Nobre foi naturalmente a pessoa indicada. O Actual MNE francês, Bernard Kouchner, foi um dos fundadores e a figura mais conhecida dos MSF.
Pois, também me parece e creio que isso consistiu numa fase do grupo de Ribeiro Telles. Já tive a oportunidade de lhe dizer isso mesmo e ao Luís Coimbra. É que esse "investimento" não vale a ponta de um corno!
Ainda bem que lhes disse porque, de facto, eles andaram a fazer figuras muito tristes.
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