Do Estado Sentido:
Inesquecíveis foram as noites de vitórias eleitorais de outros tempos. Caravanas automóveis a perderem de vista, o delírio ruidoso avenidas abaixo, a miudagem empoleirada aos cachos nos camiões de caixa aberta. Bandeiras, cornetas, t-shirts com o símbolo vencedor, carros de som com o hino da campanha, risos, garrafas de cerveja, festa de arromba até às tantas. A mais memorável terá sido a vitória da AD em 1980, celebrada naquela madrugada de 1980, como se uma libertação fosse. Os Partidos contavam com uma juventude que militava sem receber um tostão, regalando-se com o prazer do convívio na colagem de cartazes, bancas de propaganda onde os contendores se provocavam mutuamente e sem consequências de maior, comícios a fazerem abarrotar o pavilhão dos Desportos, o Campo Pequeno o Terreiro do Paço ou a Alameda.
Ontem à noite foi quase deprimente ver como um acontecimento tão importante para o País foi tão pouco celebrado nas ruas, pelos próprios militantes. Apenas cerca de 200 a escutar o discurso de vitória de Pedro Passos Coelho; na Alameda, quando o PSD ganhou em 1991, eram 200 mil. Ontem, boa parte eram Jotinhas a comemorarem, não a mudança necessária no País, mas o tacho que os espera. Mas também havia veteranos, patriotas e desinteressados, alguns com bandeiras das eleições dos anos 80, que acharam que o se estava a passar era importante demais para ficar em casa a ver pela televisão. Como um deles me dizia, as pessoas enchem o Marquês de Pombal para comemorar as vitórias no futebol, mas não são capazes de fazer algo remotamente parecido quando o país muda de governo.
É um problema geracional, sem dúvida, em que as gerações mais novas quase não têm causas, projecto ou valores e agem quase exclusivamente por interesse. Mas não só: é acima de tudo um problema de como a política não é entendida como um serviço ao país, para o qual se deva mobilizar vontades e energias. Agora, basta que façam a cruzinha no quadrado certo, nem que seja por engano.
Hoje, e à excepção do PCP, os partidos fazem-se de pequenos grupos, de jornalismo afecto, de sondagens, de blogs, de sites, de sms e de soundbites: como se pudessem existir virtualmente e agir realmente. Cada vez mais os dirigentes fogem ao exame dos militantes de base. E depois admiram-se dos resultados àquem das expectativas e da abstenção elevada. As pessoas não se desinteressaram assim tanto da política: apenas estão fartas que a Política se desinteresse delas, e as trate como atrasadas mentais.
A Política 1.0 é um logro. Também por aqui o país precisa de voltar aos anos 80, quando as coisas eram feitas como deve ser.
3 comentários:
Queria acrescentar algumas notas:
«as pessoas enchem o Marquês de Pombal para comemorar as vitórias no futebol, mas não são capazes de fazer algo remotamente parecido quando o país muda de governo.»
Já o fiz, quando o meu Benfica foi campeão das últimas duas vezes. E fi-lo várias vezes, quando o PSD ganhou eleições. Mas para usar uma expressão do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa «esse foi um peditório para o qual eu já dei» se falarmos de PSD, por das razões:
1ª Deixei de votar no PSD.
2ª Penso que o que é realmente importante é votar e mais importante ainda, é trabalhar. Não foi por acaso que o P. Coelho e o Portas disseram e bem: «Não é tempo de festejar, é tempo de trabalhar».
Também se exagera muito com a abstenção, os Presidentes americanos são quase todos eleitos com mais de 50% de abstenção e não me parece que a democracia na América esteja podre.
Em Portugal as coisas já não se podem fazer como nos anos 80, até porque o entusiasmo inicial esfumou-se, nessa altura tinham passado poucos anos do 25/4/74, era quase novidade votar e participar em campanhas. Hoje isso perdeu-se tudo, acima de tudo porque a democracia portuguesa chegou à maturidade.
E sim, é pela internet, pelas redes sociais pelos telemóveis, enfim, pela novas tecnológias que também se fazem campanhas eleitorais e se ganham eleições, o Obama que o diga.
Finalmente, se os políticos querem que o povo se interesse verdadeiramente, então que apareçam os melhores e com melhores ideias. Porque os que temos visto ultimamente, não são definitivamente os melhores.
Concurdo com tudo menos com a internet/redes sociais: não só apenas uma parte da população é abrangida como a política está a tornar-se em algo de quase virtual. Uns slogans, uns soundbites e pouca discussão séria, muito longe de acompanhe a muita e boa discussão que acontece na blogosfera não-afecta a partidos políticos. O que resulta disto é que o escrutínio do que os políticos realmente valem não se faz. A maior parte do tempo, trata-se de imagem e não se substância, e assim se implantam cada vez mais as figuras sem substância que têm inquinado a vida política.
Penso que as coisas devem voltar a ser reais e não meras ilusões mediáticas.
Não estou a dizer que as campanhas se façam exclusivamente na internet e nas redes sociais, mas também não podemos excluir esses «canais». Foi graças a eles que Obama chegou a pessoas a que nunca chegaria e que conseguiu atrair para si, o que é relevante e que terá sido decisivo na sua eleição.
Embora o modelo esteja um pouco gasto e até algo desactualizado, concordo que os nossos políticos tem de dar mais a cara, de andarem pelo «país real», «de sujarem as mãos», sob pela de estarmos a criar líderes de plástico ou mesmo líderes virtuais. De facto, um pouco de terreno, de rua e de debate é necessário, até para sabermos de que fibra são feitos os políticos.
Enviar um comentário