Parece-me que ainda é cêdo para se tirarem conclusões sobre a natureza e a intenção do Wikileaks. É simplesmente muita matéria-prima para tratar. Por um lado é legítimo perguntar porque é que o alvo dos promotores deste site é apenas os EUA. Custa a crer que só nos EUA seja possível obter tanta informação confidencial. Porque não fazem o mesmo com a Rússia ou a China? A resposta é óbvia: porque têm amor à vida e sabem que nesse caso o mais provável seria pagarem a ousadia muito caro.
Por outro lado, se é certo que isto é um enorme embaraço para os EUA, do que a imprensa tem divulgado até agora, a maior parte não é surpreendente ou mesmo desconhecido. A questão do islamismo na América Latina é um assunto conhecido, que Berlusconi tem ligações à Rússia também já era evidente, e a voluptuosa ucraniana que acompanha Kadaffi poderia não ser conhecida mas decididamente não é um assunto de monta. As considerações que os diplomatas tecem no seus relatórios também não são surpreendentes, mas apenas incómodas como é o caso em relação aos britânicos. Por exemplo, durante a II Guerra Mundial, um embaixador britânico em Lisboa, que diplomaticamente não poupava elogios ao mais velho aliado do seu país, depois, na correspondência que enviava para o Foreign Office, desabafava e dizia o pior possível, descrevendo o povo português como «uma mistura de árabes e judeus incapaz de um raciocínio lógico que tinha a sorte de ser governado por um professor universitário». A hipocrisia e a falsidade fazem parte do métier.
Mas no meio destas revelações, o facto é que vai sendo divulgada muita informação que é útil aos EUA que se saiba, e que de outra forma seria incómodo as fontes oficiais revelarem. Os italianos ficaram a saber que o seu PM é um lacaio da Rússia, os franceses que o seu presidente é machista, que a Turquia tem vendido armas ao Irão, que a ameaça nuclear iraniana é real, por aí adiante. Para todos os efeitos, a culpa é do Wikileaks. Por isso, a acusação do Irão de que se trata de uma fuga de informação organizada por Washington pode não ser tão descabida quanto soa. É díficil de acreditar que a incompetência seja tanta, e seria de esperar que Washington impedisse isto de acontecer se realmente o quisesse. Até porque, legalmente, o que o Wikileaks está a fazer constitui crime.
Por outro lado, ficar-se a saber que os diplomatas norte-americanos receberam instruções para obterem dados biométricos e o DNA de figuras de determinados países o que, embora sempre dê um certo glamour estilo James Bond, não só parece algo fantasioso (para não dizer estúpido) como pressupõe objectivos sinistros tanto em relação a países reconhecidamente adversos aos EUA e como a outros que nem por isso (como Cabo Verde). Isto lesa grandemente a imagem dos EUA.
Quem ganha com isto? Aparentemente, ninguém porque todos saem mal na fotografia. Mas alguns saem pior que outros. E se por um lado, conseguem passar algumas mensagens que interessam aos EUA, a administração Obama sai humilhada. É que é difícil de conceber que algo do género aconteça em países muito pouco relevantes, quanto mais em Moscovo ou em Pequim.
3 comentários:
Bem visto, JQ.
E tenho que concordar com o Chavez: então e a Clinton não se demite? Na Coreia do Sul, o ministro da defesa demitiu-se por a resposta à artilharia norte-coreana ter demorado 13 minutos.
Não me tinha lembrado, mas tem razão.
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