quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

RTP e Fados

«O serviço público de televisão deve comprometer-se acima de tudo com a qualidade da oferta, pensando sempre mais nos direitos dos cidadãos do que - como é natural que aconteça com as televisões privadas - nos impulsos dos consumidores: o serviço público de televisão deve ambicionar ser a televisão dos cidadãos, de uma cidadania exigente e escrutinadora.
O facto é que Portugal nunca teve, desde o 25 de Abril, uma política de comunicação, mas apenas políticas de propaganda. Era tempo... mas para isso seria preciso fazer um corte com o binómio alarve que tem dominado a visão política da televisão, o binómio manipulação/distracção. E que, pelo contrário, se começasse a valorizar o papel da televisão, e nomeadamente do seu serviço público, como instrumento estratégico de formação dos indivíduos, de coesão comunitária, de afirmação da soberania, de renovação da identidade e de revitalização do imaginário.
Em terceiro lugar, é preciso ter consciência que, sendo o serviço público de televisão vital para qualquer pequena nação, ele pode ter um potencial enorme quando essa nação tem uma língua que a excede e projecta no mundo, como acontece com o português. Atrofiar esse potencial quando a televisão digital terrestre permite justamente ampliá-lo, através de uma lúcida estratégia de produção de conteúdos (informativos, documentais, ficcionais, etc.) seria um gesto de total cegueira política.»

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«a UNESCO tem duas classificações de património completamente distintas, a de "Património Mundial", ou "Património da Humanidade", que se aplica a bens materiais de significado universal, como o Mosteiro dos Jerónimos ou as gravuras do vale do Côa, o Taj Mahal da Índia ou a Grande Muralha da China. E a de "Património Cultural Imaterial", que se atribui a bens imateriais, dado a sua função na conservação da diversidade e o seu papel na vida das comunidades que lhe deram origem. O seu valor decorre pois, mais do que do seu significado universal, do seu enraizamento local e do seu significado comunitário.
Foi nesta, e não na categoria de "Património Mundial" que - ao contrário do que reza a enganadora propaganda provinciana que a propósito tem sido difundida - o fado foi escolhido. Como o foram, e os exemplos ajudam talvez a compreender melhor a natureza do facto, as danças Sada Shin Noh (Japão), a música Mariachi do México, as artes marciais Taekkyeon da Coreia, o Mibu no Hana Taue, ritual de tratamento do arroz do Japão, a equitação francesa, o teatro de sombras chinês, o ritual poético Tsiattista de Chipre, a peregrinação ao Senhor de Qoyllurit'i do Peru, etc.
Aqui fica o esclarecimento de um equívoco que, infelizmente, tem sido sobretudo alimentado por quem tinha por obrigação evitá-lo. Até porque, como tão bem disse Ana Moura, mundial e da humanidade, isso o fado já era há muito...»

Manuel Maria Carrilho, hoje no DN.

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