No Diário Económico de hoje:
Portugal desperdiça 17 mil milhões por ano no mar
As actividades directas e indirectas relacionadas com o mar contribuem para 11% do PIB, equivalentes a 17 mil milhões de euros. Mas estão exploradas apenas a metade da capacidade: 34 mil milhões, segundo um estudo.
Jaime Martins Alberto
Os números confirmam o que os políticos ao longo de décadas não têm conseguido. Actualmente as actividades económicas relacionadas directa e indirectamente com o mar contribuem para 11% do Produto Interno Bruto (cerca de 17 mil milhões). De acordo com um estudo que 20 das maiores empresas nacionais encomendaram à SAER (Sociedade de Avaliação de Empresas e Risco) caso o Estado “reoriente as suas políticas estratégicas para os próximos 25 anos” o contributo do mar para a economia pode “facilmente” duplicar, atingindo os 22% do PIB.
Numa altura em que tanto se fala do alto desemprego do país (8%, o valor mais alto dos últimos 21 anos) este estudo liderado por Ernâni Lopes, aponta o mar como um dos sectores com maior capacidade para absorver desempregados. “Os sectores ligados ao turismo e ao mar absorverão os desempregados das outras áreas. O mar pode-se tornar a área mais empregadora do país”, explica José Poças Esteves, co-autor do estudo que será publicado no final do ano.
Em Dezembro de 2006, o Governo criou a Estratégia Nacional para o Mar, que prevê, entre outras medidas, um maior aproveitamento da energia das ondas, a ampliação da plataforma continental ou a adaptação do princípio do balcão único a todos os assuntos relacionados com o mar. Mas este conjunto de boas intenções não parece estar a convencer o Presidente da República, que – alertado para todas as potencialidades da maior zona económica exclusiva da Europa – exigiu ver resultados práticos até Novembro deste ano. “É preciso passar à acção”, avisou Cavaco no final do ano passado. “Essas palavras são um encorajamento para que se faça mais”, reage o secretário de Estado da Defesa e Assuntos do Mar, João Mira Gomes.
Enquanto o Estado não passa a acção, as empresas privadas vão abrindo caminho. Apesar de ainda estar numa fase inicial de investigação, a SAER adiantou ao Diário Económico algumas das suas primeiras conclusões. Como é caso das áreas mais rentáveis e atractivas para as empresas: transportes marítimos e portos, turismo náutico (como a construção, hibernação e ‘catering’ de barcos), biotecnologias, aquacultura e educação (com a criação de novos cursos navais nas universidades). “Estes clusters têm um forte potencial de crescimento e de retorno do investimento”, diz Poças Esteves.
Perante estas possibilidades, não espanta que tenha sido a sociedade civil a encomendar o estudo coordenado pelo antigo ministro das Finanças, Ernâni Lopes – e que conta com o contributo de quinze personalidades anónimas “especialistas em várias matérias”. Pela voz da Associação Comercial de Lisboa (ACL), vinte empresas nacionais – como a EDP, Galp, BES, BCP, PT, Lisnave ou as Conservas Ramirez – pagaram entre si 250 mil euros pelo parecer da SAER. A maior fatia coube aos dois bancos privados. “Eles querem saber quais os sectores que mais se podem desenvolver. E onde podem investir”, aponta Pedro Madeira Rodrigues, secretário-geral da ACL.
A equipa de Ernâni Lopes também deixará sugestões quanto à orgânica política do Estado. “Se o mar é assim tão importante, tem que ter um ministério próprio”, diz Poças Esteves.
As áreas mais atractivas para as empresas
1 - Centro do comércio mundial
A zona económica exclusiva portuguesa é dezoito vezes maior do que o território terrestre nacional e a maior da Europa. Segundo a SAER, o comércio marítimo – que “cresce a dois dígitos por ano” – já é uma actividade central na economia mundial. Mas ainda está longe de o ser em Portugal. “Os transportes são tão baratos que a globalização fez disparar esta forma de mobilidade no globo. Noventa por cento dos transportes de comércio em todo o mundo são feitos pelo mar”, diz José Poças Esteves. As “auto-estradas do mar” são também uma das prioridades do Governo. Na cimeira última luso-francesa, José Sócrates assinou uma parceria com França para a cooperação na vigilância, segurança e combate à poluição.
2 - A aposta na cosmética
Parques eólicos off-shore, exploração da biodiversidade aquática (que podia ser usada na indústria cosmética), investigação científica da produção de microalgas ou aproveitamento das energias renováveis (como as ondas do mar), são algumas das possibilidades que este ‘cluster’, como a SAER o identifica, oferece. E cuja tendência é para crescer com o aumento da plataforma continental. “Teremos acesso a zonas hidrotermais e de biodiversidade ainda com mais potencial. Pela primeira vez, a ONU atribuiu a um país, a Portugal, a jurisdição de uma área ao largo da nossa costa, a ‘Rainbow’. Uma área muito rica”, explica o secretário de Estado da Defesa e dos Assuntos do Mar, João Mira Gomes. De toda a zona económica exclusiva portuguesa, apenas 0,6% corresponde a áreas ambientalmente protegidas.
3 - Mais barcos e mais marinas
O turismo náutico é uma área cada vez mais atractiva principalmente para os turistas estrangeiros. As condições naturais, que permitem todo o tipo de actividades recreativas no mar não têm, porém, uma equivalência quanto às infraestruturas. Portugal precisa, segundo o estudo da SAER, de mais empresas ligadas à construção e reparação naval, de locais preparados para receber barcos durante a noite, mais marinas com capacidade para grandes embarcações, uma melhoria substancial da qualidade e dos portos e até de novas indústrias de ‘catering’ especializadas em actividades ligadas ao mar. Paralelamente, as universidades devem criar mais cursos navais capazes de formar técnicos que cumpram todos estes objectivos nas várias áreas profissionais.
A Sociedade Civil está a mexer-se. A opinião pública, de tanto descrédito nos políticos, já percebeu que é consigo mesma que pode contar. Depois do estudo da CIP sobre o novo Aeroporto de Lisboa, a moda das empresas e associações sectoriais passarem a agir como forças vivas na Nação - sim, leram bem: Nação - chegou, e ainda bem. Trocam-se ideias, debatem-se projectos, fazem-se estudos estratégicos (que custam muito dinheiro mas apenas uma fracção de, por exemplo, o que um filme do Manoel de Oliveira custa ao Estado), dizem-se verdades, lembram-se oportunidades de aproveitar recursos e de fazer as coisas bem.
Ainda há esperança para este país.
Sem comentários:
Enviar um comentário