quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Addio, Adieu, Aufwiedersehen, Goodbye

Quem vê hoje o Festival Eurovisão da Canção, vê um festival de pimbalhada sem qualquer ambição de qualidade e credibilidade, e onde as votações apenas servem para a propaganda dos países participantes veicular mensagens de simpatia em relação a outros países. Mas até há uns vinte anos não era bem assim. Sem dúvida que a propaganda política era a mesma, e os votos dos júris igualmente polémicos. Havia votos que eram certos independentemente da qualidade das músicas: por exemplo, Portugal votava sempre em Espanha (por uma questão de boa vizinhança), nos países mais importantes da Europa e nossos principais parceiros comerciais (Alemanha, Reino Unido, França, Suécia), sem esquecer os países onde havia grandes comunidades de emigrantes (Suíça). A Espanha votava sempe em Portugal, o Reino Unido na Irlanda, a Irlanda no Reino Unido, a Holanda em Israel (grande comunidade judia na Holanda), a Alemanha na Áustria, e por aí adiante.

Mas nesses tempos havia uma aposta na qualidade e no prestígio, e era um dos momentos altos da televisão a nível europeu. Em Portugal, era de longe o programa mais visto do ano, e nos dias seguintes a cada edição, o mercado negro era inundado de cassetes-pirata com a música vencedora e a música portuguesa.

Sendo o palco mais importante da Europa, o Festival da Eurovisão lançou vários artistas de renome como os Abba e Céline Dion. Em tempos em que Portugal era alienado internacionalmente, a RTP apostou forte na Eurovisão, fazendo-se representar com alguns dos nossos melhores cantores como Madalena Iglésias, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e José Cid, com músicas de grande qualidade e que ainda hoje são recordadas.

Mas as classificações obtidas foram sempre muito magras, e muito aquém do valor das músicas, ficando atrás das representações de outros países, frequentemente com músicas claramente inferiores. Procuravam-se explicações: antes do 25 de Abril era porque éramos fascistas; depois era porque éramos comunistas; e depois do PREC era porque... falávamos Português e os júris internacionais não percebiam as letras das músicas.

Mas em 1980, numa altura em que o Governo Português procurava, de todas as formas, cativar simpatias internacionais para a tão desejada adesão à CEE (a salvação para nos tirar da bancarrota em que nos encontrávamos), a RTP deu tudo por tudo para finalmente ganhar o Festival. José Cid foi o representante com «Um Grande, Grande Amor», uma música possante e magnífica (que em nada lembrava o Fado, considerado demasiado triste pelos estrangeiros), com uma letra internacional, que fosse bem acolhida pelo público estrangeiro. Depois dos ensaios, a imprensa internacional fez-lhe os maiores elogios, considerando-a a melhor do Festival.



No final da actuação de José Cid, e após a ovação do público, o representante da delegação da TVE dirigiu-se, pesaroso, ao seu colega da RTP, o maestro José Calvário, e disse-lhe:«José, vocês este ano trouxeram a vossa melhor música e a melhor do festival. Mas este ano nós [Espanha] não vamos votar em vocês. Razões políticas. Ordens vindas "de cima". Lamento muito.»

De qualquer modo, já se sabia nos bastidores que o vencedor estava escolhido de antemão: a Irlanda (o que de facto aconteceu, com o cantor Johnny Logan). Parece que era tudo tratado com muita antecedência, com envelopes às pessoas certas em Bruxelas, na sede da União Europeia de Radiotelevisão. Úm prenúncio do que seria a tão desejada adesão à CEE. Ainda assim, José Cid conseguiu a nossa melhor classificação, 7º lugar. Um único país deu-nos a pontuação máxima, a Itália. O melhor mesmo foi a música, que ficou no ouvido até hoje.

http://www.josecid.com/

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