Vasco Graça Moura, hoje no DN, de novo sobre o maior atentado alguma vez cometido contra a cultura portuguesa:
Creio ter demonstrado no meu último artigo que o Acordo Ortográfico não assegura, antes prejudica, a unidade da língua portuguesa. Mas há também outros aspectos práticos da maior relevância.
Vasco Teixeira, um dos mais destacados editores portugueses, com especial projecção na área do livro escolar, levanta algumas questões essenciais a tal respeito, no suplemento de Educação do JL da semana passada.
Essas questões, como se dizia n'As Mil e Uma Noites, deveriam ser gravadas com a ponta de uma agulha no canto do olho de cada um dos nossos governantes, de modo a não serem esquecidas...
As mais importantes prendem-se com a inutilização, que o acordo implicará, de milhões de livros adquiridos pelo Governo no âmbito do Plano Nacional de Leitura, em 2006 e 2007; com o prejuízo à própria vigência por seis anos dos manuais escolares determinada pelo Governo, mais um tempo de elaboração desses materiais de pelo menos dois anos, o que perfaz oito; com a morosidade de adaptação e os custos astronómicos dela, quanto a todos os livros escolares, materiais didácticos e outros instrumentos imprescindíveis (dicionários, gramáticas, manuais, obras auxiliares...) que terão de ser reconvertidos à nova grafia, o que será "absolutamente indispensável para o sucesso das aprendizagens dos nossos alunos", de tal modo que "uma correcta aplicação do Acordo Ortográfico ao sistema educativo português dependerá obrigatoriamente de um planeamento e de uma fase de transição que, por certo, levará alguns anos e custará várias dezenas de milhões de euros"!
Por outro lado, são verdadeiramente alarmantes as dificuldades que essa sinistra aberração ortográfica trará à expansão cada vez mais importante do livro português nos PALOP, especialmente em Angola e Moçambique, afectando "um ponto de enormíssimo valor estratégico". A questão dos PALOP é particularmente grave, porque a edição portuguesa está a beneficiar de uma importante presença neles e, "apesar da concorrência dos maiores grupos editoriais mundiais", também está, através da Porto Editora e da Texto, a produzir "a esmagadora maioria dos manuais escolares utilizados naqueles países".
Isto, quanto a Angola, já representa milhões de dólares. Quanto a Moçambique, um sexto das nossas exportações para aquele país é assegurado pelas mesmas editoras que produzem livros escolares concebidos especificamente para os ensinos básico e o secundário do país.
Por isso, Vasco Teixeira fala num "contributo incomensurável para o fortalecimento dos laços linguísticos, educacionais, culturais, científicos e académicos, entre Portugal e Angola e Moçambique" que não pode levianamente ser posto em risco.
A partir desta intervenção de quem conhece tão bem o que se passa, pode-se ver ainda mais longe: Se Portugal vai precisar de muitos anos e de muitos milhões de euros para cumprir o acordo, entretanto, não deixará de haver grupos editoriais brasileiros que a grande velocidade lhe tomarão o lugar em África sem apelo nem agravo, uma vez que não têm de fazer absolutamente nada para se adaptarem à situação! Entre umas consoantes de há muito suprimidas no Brasil e umas grafias facultativas agora consagradas para todos e que vêm mesmo a calhar, já está tudo pronto, incluindo o segmento pesado dos dicionários, e o negócio é fora de série!
Portugal perderá, intra e extramuros e da maneira mais estúpida, essa decisiva partida geostratégica, em nome da tal "unidade essencial da língua" que o acordo não assegura nem de perto nem de longe.
Assim a política portuguesa se serve candidamente, não da ciência mas da ficção científica, e há nela umas luminárias que se deixam persuadir com chavões de feira e não atentam em que a unidade essencial da língua existe desde há muito e tem resistido saudavelmente a reformas, acordos ortográficos e a toda uma série de parvoíces académicas e diplomáticas.
A identidade absoluta da língua é que é impossível. Sempre o foi e será. Até de falante para falante, quanto mais de país para país... Mas o Governo português não pestaneja nestas matérias e toma a iniciativa de se pôr a jeito, em vias de engendrar para nós um conceito não sonhado por Gilberto Freyre: o do "tonto-tropicalismo", isto é, o novo e aparvalhado contributo lusíada para a expansão virtuosa da língua portuguesa no mundo.
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