terça-feira, 5 de agosto de 2008

Kingdom of the Allgarves

Respondendo à Gi.

Acho que tem toda a razão, em tudo menos nisto:

«Não lhes interessa nada que para eles se tenham construído toneladas de betão e descaracterizado uma província, porque nem lhes passa pela cabeça como era ou podia ser de outra maneira.»

A alguns não interessará. Mas à maioria interessa. Para quem passa o ano rodeado de betão, saberia bem chegar a uma costa que estivesse preservada. Mas, durante décadas, quando se dizia aos algarvios que se estava a construir demais, a resposta era que não, que ainda havia muito por onde construir. O resultado está à vista, no betão e no número crescente de portugueses que passam férias em Espanha, no Brasil, Caraíbas e Cabo Verde. Mas também no número crescente de turistas estrangeiros que visita Portugal mas evita o Algarve.

Muitos dos portugueses que hoje vão para o Algarve, vão porque podem levar os filhos, ou porque é mais prático alugar uma casa a meias com amigos, ou porque compraram lá casa (e muitas vezes não a conseguem vender e aproveitam-na já que a têm), ou porque ficam em casa de conhecidos.

Sem dúvida que são os ingleses que mantêm o Algarve a funcionar durante o resto do ano. Mas, tudo somado, quem dá mais dinheiro são os portugueses, pelo número e pelos preços das estadias que pagam (é muito mais barato comprar uma semana de férias no Algarve em Londres do que em Lisboa, e já não falo em época alta). E como levamos sobretudo com a classe média-baixa inglesa, o gasto per capita não é tão elevado assim.

E não custa nada fazer ementas em Português.

O verdadeiro problema é que muito frequentemente o português é mal-vindo e tratado como turista de 2ª ou 3ª, é propositadamente mal-atendido nos restaurantes, mandado para as piores mesas, mal-servido nas doses e na qualidade, para ter a certeza de que não volta. Isto para manter o ambiente "limpo" de mediterrânicos, ao gosto do Apartheid inglês, e que também prefere não ter alemães, franceses, espanhóis ou holandeses por perto (os irlandeses são tolerados). E se puderem pedir os seus fish and chips e a caneca de Guiness a um empregado inglês, num restaurante de um inglês, pagando em libras enquanto assistem a um jogo na Sky Sports, então perfeito. Eu já vivi no Algarve, eu sei como é. Infelizmente, muitos algarvios alinham nisto, indo ao ponto de pintarem o cabelo de ruivo e colocarem lentes de contacto azuis, para parecerem menos latinos (caso do director comercial de um dos maiores empreendimentos do Algarve).

O turismo no Algarve melhorou muito, está mais profissional, mais competente (até porque a competição é muita), mas ainda falta um longo caminho a percorrer até se chegar à qualidade de serviços que se encontra em Espanha. Ainda prevalece a vigarice permanente. Nos restaurantes vem sempre um empregado trazer-nos qualquer coisa que não pedimos, a conta do restaurante vem sempre errada, com coisas que não consumimos ou com preços mais altos do que os indicados na ementa, a ver se pega. É cansativo estar de férias e ter de estar sempre na atento às vigarices a todo o momento.

Está carregada de razão em relação a Torremolinos, Benidorm e quejandos (curiosamente, foram investidores portugueses que arrancaram com Marbella, nos anos 60). Por cá, achou-se e acha-se ainda que aquilo é que é. É triste dizer isto, mas para além da ganância dos negócios imobiliários, muitos autarcas arruinam as suas terras genuinamente convencidos que lhes estão a prestar um grande serviço. Betão é modernidade.

Só mais recentemente, e com a crise imobiliária, é que muita gente está finalmente a perceber que é preciso apostar na qualidade e que, para os ingleses, casa é uma moradia, não um apartamento. Sobretudo se vêm para um país pobre do sul da Europa, à procura de sossêgo e privacidade. Mas para construir bairros de moradias são precisas duas coisas que já faltam: muito espaço e não ter prédios por perto. Agora é tarde e astronomicamente caro de corrigir.

Não se pense que eu não gosto do Algarve ou dos algarvios: gosto e muito. E por isso tenho imensa pena pelo muito que tem sido estragado. Se tivesse havido bom senso e bom gosto, seria a Califórnia da Europa, com 1/10 dos turistas e o dobro do rendimento.

4 comentários:

Gi disse...

Obrigada pelo post, JQ, respondi aqui

Nuno Castelo-Branco disse...

Por essas e por outros, desde 1982 não ponho as minhas patinhas no All-Garve

Nuno Castelo-Branco disse...

Digo, ...por essas e por outras"...

Joao Quaresma disse...

Caro Nuno,

O Algarve vale muito a pena, em muitos aspectos. Já lá vivi, e posso dizer que a qualidade de vida é incomparávelmente melhor do que em, por exemplo, Lisboa (levar 5 minutos de casa ao trabalho, que maravilha!). Tem os seus defeitos, mas para férias continua a ser um bom destino. Sobretudo se se optar por fazer férias em Junho ou Setembro.