segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Coisas que passaram despercebidas em 2010 - 3

Notícia do Público, de 23 de Março:

"Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas
23.03.2010 - 17:30 Por Catarina Gomes

Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas, constata o primeiro estudo que faz o retrato da saúde mental em Portugal. Em comparação com dados de outros seis países europeus Portugal é o que tem a prevalência mais alta, com números que se aproximam dos Estados Unidos, "o país com maior prevalência de perturbações de psiquiátricas no mundo", disse hoje o coordenador nacional de Saúde Mental, Caldas de Almeida.

"Portugal tem um padrão atípico em termos europeus", constata o responsável, que apresentou hoje o estudo na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa. Isto porque o inquérito realizado junto de 3849 portugueses (uma amostra representativa da população portuguesa) revela que 22,9 por cento manifesta sintomas que os colocam na categoria da perturbação mental, um número que só se aproxima dos 26,3 por cento americanos.

A prevalência nacional está muito distante dos países do Sul da Europa - Espanha só tem 9,2 por cento de prevalência e Itália 8,2 por cento - e mesmo assim longe dos dois países com prevalências maiores, como é o caso de França (18,4 por cento) e a Holanda (14,8 por cento).

No topo dos problemas estão as perturbações de ansiedade (16,5 por cento), as perturbações depressivas (7,9 por cento), perturbações de controlo dos impulsos (3,5 por cento) e as perturbações relacionadas com o álcool (1,6 por cento).

O estudo constata que os mais afectados são as mulheres, os jovens dos 18 aos 24 anos, as pessoas mais sós (separados, viúvos e divorciados) e pessoas com níveis baixo e médio de literacia.

Analisado o acesso a serviços de saúde constata-se que a grande maioria dos que sofrem de perturbações não têm acesso a qualquer tratamento médico, mesmo tratando-se de problemas graves (como a depressão major) - neste grupo 33,6 por cento não recebe tratamento. Verifica-se que a maioria das pessoas com doença mental recorre sobretudo aos médicos de família."


Acontece que, ao contrário do que diz esta notícia, este não é o primeiro estudo destes que se faz em Portugal: recordo-me que no princípio dos anos 90 (creio que foi mesmo em 1990) já tinha sido feito, indicando que a taxa de incidência na população era de 10%, o que nos colocava na média europeia. Na altura achei bastante, mas o facto de no espaço de apenas 20 anos não só a situação não ter melhorado como ter aumentado em mais de 100% é perfeitamente calamitoso e diz muito do rumo que o país seguiu, para já não bater no sacralizado Sistema Nacional de Saúde. Nestas duas décadas, o consumo de anti-depressivos disparou, mas eu pergunto que mais medidas foram tomadas para lidar com este problema. Provavelmente, nenhuma.

Neste estudo, há outro número que ressalta: apenas 1,6% dos casos estão relacionados com o alcoolismo (pessoalmente, presumia mais). 35 anos depois do fim da Guerra do Ultramar, não surpreende que o stress de guerra (que, de acordo com as previsões, afectará 10% dos ex-combatentes) não surja como uma das causas principais. E fica claro que o bem-estar material não significa uma vida necessariamente melhor.

Podemos gracejar concluindo que Portugal tinha mais juízo no tempo em que bebia vinho do que agora que bebe água com gás. Mas o Portugal dos últimos 20 anos modernizou-se e europeizou-se, mas neste caso no pior sentido, superando os piores casos da Europa. Não me surpreende que a França seja, a seguir a nós, o pior caso da Europa. E também não surpreende que a Itália e Espanha gozem de melhor saúde mental que os restantes. Não são precisas muitas estatísticas: basta conhecer os povos.

O melhor saúde de italianos e espanhóis será, acima de tudo, o resultado da cultura cristã-mediterrânica, de um modo de vida mais saudável porque menos centrado no materialismo e nas aparências, no viver a vida e não no viver os números, e onde a família e os valores morais continuam a ser fortes, apesar das "modernizações" impostas à força por governos "progressistas".

Em Portugal, à conta de ilusões modernizadoras e de um enorme complexo de inferioridade, venera-se o mundo anglosaxónico e as sociedades pseudo-perfeitas do Norte da Europa; e, nalguns casos, implantam-se soluções soviéticas. E assim também se tem perdido o que temos e herdámos de bom de séculos de civilização - do nosso próprio modelo de civilização, que não deve ser desprezado.

As conclusões deste estudo revelam uma verdadeira catástrofe nacional, que ultrapassa em muito o domínio da saúde pública. Não explicam, obviamente, todos os problemas do país, mas podem ajudar a explicar bastantes: da falta de produtividade, aos níveis de stress no dia-a-dia, à conflitualidade laboral, familiar e até mesmo no trânsito (onde facilmente se detectam grandes sociopatias). Deveria ser um problema a ser atacado por futuros governos com a máxima decisão. Um país não pode esperar alcançar o sucesso com 20% de malucos - desculpem-me a frontalidade.

Mas por muitas medidas preventivas que se tomem no ensino, no mundo laboral, e até mesmo no ordenamento das cidades e do trânsito (evitando a confusão e a conflitualidade; não é preciso ser um especialista para se constatar as diferenças entre os níveis de stress de populações que vivem em bairros de moradias, mesmo das económicas, e as que vivem em bairros de grandes blocos de apartamentos, mesmo os de luxo), a mais importante será voltarmos a uma sociedade de valores, e de combatermos o relativismo e o anti-moralismo vigentes e impostos politica e culturalmente.

Pode parecer linguagem bonita e fácil, mas sou da opinião que a grande saída para a crise deste país será voltarmos a ser mais portugueses. Verdadeiros portugueses, motivados para o bem comum e com respeito pelo próximo, algo que no passado no fez ultrapassar desafios e vencer guerras. Temos de recuperar a sociedade portuguesa, a Nação Portuguesa, e rejeitar quem defende a sua adulteração. Temos de voltar às origens, ao que é nosso e que sabemos que deu bons resultados a gerações de portugueses. Temos de valorizar a Família (nas suas várias vertentes), mas rejeitar a sua adulteração. Temos de ser patriotas e intolerantes com a falta de patriotismo ou a traição. Temos de ser honestos, de dar o exemplo, e punir a fraude e a corrupção. Temos de ter consciência nacional, e não de classe, de tribo social ou de região.

Em suma, temos todos de puxar para o mesmo lado, no sentido que se sabe que é certo. Quando regressarmos a uma sociedade mais pacífica e respeitadora do próximo, sem dúvida teremos (entre outras coisas) níveis de saúde mental menos maus (e vergonhosos) do que temos hoje.

E nem acredito que acabei por escrever tudo isto à conta de um estudo sobre saúde mental da população.

2 comentários:

Gi disse...

E escreveu muito bem, JQ.
Eu acrescento que estou convencida que a maioria dos portugueses é capaz de voltar a esses valores, e que uma boa parte das perturbações mentais se deve precisamente a não poder viver de acordo com esses valores.

Quem os impede? Os exemplos que vêm de cima: a aldrabice, a vigarice e a canalhice que hoje em dia andam associadas ao poder e ao sucesso, e que quem está abaixo sente que deve emular, já que tem de suportar.

Joao Quaresma disse...

Obrigado, Gi.

A questão é que, em Democracia, os exemplos têm de vir de baixo (aqui reside o grande equívoco que se vive em Portugal). A tendência dos políticos é de imitarem os eleitores, de forma a que estes se identifiquem com os políticos e assim se decidam a votar neles. Além de que hoje em dia a política não é feita por elites mas por gente vulgar que se comporta muitas vezes por imitação.

Por isso é que não deve haver complacência com maus exemplos, venham eles de onde vierem, mas sobretudo dos que são escolhidos para servirem todos.